O Futuro

Ondjaki
foto/ilustração:

1. Esta revista angolana

A última (e única) vez em que escrevi um editorial de abertura de uma publicação, foi no ano de 1992. Foi um pasquim que teve curta existência: seis números apenas. Chamou-se Nganza Times. Alguns da minha geração talvez se lembrem. Hoje, cercado de amigas e amigos com interesses culturais firmes, chegou a hora de apresentar a nossa proposta para uma revista angolana de e com cultura. Um espaço que irá abordar em texto, imagem e muita ilustração a realidade que os jovens buscam e anseiam para este país.

Mas, aviso prévio: serão servidas doses de sonho cruzadas com discursos realistas, conservadores, satíricos e ou exagerados. Contamos com a inteligência dos nossos leitores para lidar com aquilo que será a crítica social e ou política. Entre o onírico e o sonhado, haverá lugar para humor. Pretendemos criar um espaço crítico sobre a nossa realidade, a local e a do mundo, enfocando o continente africano, as suas propostas modernas e um modo de pensar que se quer solto de antigas e caducadas crenças.

Vamos contar com colaborações nacionais e internacionais e teremos muita informação visual. Entrevistas, recensões, crónicas, fotografia e desenho.

Muito conteúdo inédito feito especialmente para esta nossa e vossa revista: NGAPA.

2. Este país angolano

Neste número 0, como tema central, o futuro ou a projecção de diversos futuros para Angola. Trazemos questionamentos e possibilidades: qual o lugar das antigas promessas de governação ou de orientação cultural e política? Como devemos proceder, enquanto cidadãos e artistas, para nos soltarmos das mais pesadas amarras do passado, vinculadas a hábitos ou partidos que se negam a dialogar com a contemporaneidade? O que é, e o que pode vir a ser, o contexto nacional das artes e da identidade angolana? Existe uma estrutura única que pode ser designada como tal? O que querem os cidadãos, o povo, os artistas, os políticos não corruptos, os jovens estudantes, as zungueiras, os roboteiros, os polícias, os corruptos, os militares, os políticos corruptos, os médicos e enfermeiros, os professores com melhor ou pior formação, o executivo, os deputados com a missão de defender os interesses do povo, o que quer toda esta massa humana para o futuro de Angola?

Há perguntas que a própria realidade angolana não cala: após quase 49 anos de independência, ou 22 anos de plena paz nacional, como se explica a não resolução do problema (nacional) da distribuição de água potável? Como se explica a aparição de dinheiros para tantas emergências, mas não para políticas estruturadas e pensadas (em modo contínuo) para a saúde e a educação deste país? A quem serve (ou ajuda a servir) a manutenção da falta de qualidade na educação da maioria da população? Qual o papel de quem decide governar e jura governar com honra e qualidade, para depois servir-se disso para acumulação pessoal (e familiar) de riqueza? E até mesmo: qual o papel da oposição política; que se diz oposição mas que se opõe conforme conveniências partidárias e ou pessoais?

3. Este nosso futuro

O futuro está, portanto, aqui mais perto. O do planeta, o do continente e o de Angola. E nós, os da sociedade civil, o que temos a dizer? Há, sim, uma responsabilidade colectiva em actuarmos, digamos, colectivamente. A responsabilidade de insistir. A responsabilidade de dizer ou de denunciar. A responsabilidade de exigir. Creio que estas são responsabilidades simultaneamente políticas e humanas.

Angola precisa de um melhor futuro e de um presente melhor estruturado. Insisto nestas áreas (saúde, educação, cultura), não para excluir as outras, mas (porque) estas fariam, se bem atendidas, uma diferença fundamental no destino das crianças deste país. E sim, é preciso água potável com rede de distribuição nacional. Angola independente e livre da guerra já não merece tanta fome, tanto lixo, tanta desorganização, tanta incompetência.

Angola aguarda ansiosa o dia em que parte dos nossos líderes se preocupem em resolver os problemas da maioria. Não é utopia, é necessidade. Chega de maltratar e de subestimar a população angolana, velha ou jovem. Chega de carregar de (toda a) culpa o colonialismo e as guerras. Como diria a música (Kussondulola), “aqui ninguém é bazeza”. Os velhos estão a morrer cansados e desiludidos. Os jovens querem e podem sonhar com uma Angola diferente. Não impeçam Angola de ser, verdadeiramente, um novo país.

Todos sabemos do óbvio: Angola não é deste ou daquele. É de todos os angolanos. E todos sabemos quanto custa isso não ser bem assim. Nós vamos em busca de luz, dizia o poema de Agostinho Neto. Mas iremos também em busca de um novo país, de uma nova vida. Um país melhor que cultiva as suas tradições, mas também a sua modernidade. Um país onde o futuro seja digno para aqueles que nasceram depois daqueles que conquistaram a liberdade. As armas da guerra calaram-se em 2002. Mas a guerra da desigualdade social continua nas ruas e na vida da maioria dos angolanos. Temos que encontrar a coragem de falar e de resolver essa maka que ainda estamos com ela. O resto virá depois. E tem nome. Chama-se futuro.

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