Hoje é hoje

Patriarcado, capitalismo e outras prisões

Fernanda Lacombe e Cecília Kitombe
foto/ilustração:

Há quem diga que o patriarcado inventou o capitalismo por necessidade. E que, desde então, ambos se nutrem num pacto utilitário que vai além da complementaridade, dinamizando o sistema económico dominante – consumista, sexista e sexual na sua ordem (re)produtiva, sem lugar ao prazer, a desvios ou vulnerabilidades. Cara-a-cara, duas mulheres da linha da frente com visões muito diferentes – na forma, experiência e alcance –, espelham correntes alternas que coabitam no movimento feminista. Focos distintos que têm, porém, uma preocupação em comum: que poderes são estes que desumanizam, hierarquizam e nos desclassificam, Numa brutal declaração de guerra à vida?

1.Política, corpo e imaginário ou pensando uma frase de Gramsci

Fernanda Lacombe

Num dos labirínticos fragmentos dos seus cadernos de cárcere, o italiano Antonio Gramsci afirma: “O funcionário que sai para uma noite de bebedeira e orgia, não é um bom funcionário para o capitalismo”. Quando se fala do trabalho intelectual do comunista sardo, vejo poucas pessoas relembrando este trecho tão certeiro que, na edição brasileira dos “Cadernos do Cárcere”, organizado por Carlos Nelson Coutinho, se encontra no volume 4, no meio de considerações acerca do Americanismo e do Fordismo. Sim, Gramsci não é frequentemente lembrado pelas suas análises sobre a relação entre o corpo e o capitalismo, mas eu trago as suas palavras aqui, porque acredito que remetem directamente a outra grande percepção deste intelectual: de que a luta contra o capitalismo se faz em muitas trincheiras e que, se a revolução e a tomada do poder não podem ser perdidas de vista, também não se pode esquecer dos rios subterrâneos da cultura que estabelecem imaginários e que moldam, à sua maneira, a nossa realidade.

2. Resistir contra a imposição do silêncio

Cecília Kitombe

Hoje e cada vez mais, percebe-se a existência do patriarcado e a sua reformulação enquanto sistema, que garante que homens continuem superiormente a comandar o espaço público em detrimento das mulheres. Na verdade, continuamos a ser relegadas ao espaço privado familiar de cuidado da família, sem valorização nem remuneração adequadas.

É verdade que evoluímos, que mais e mais mulheres surgem, ainda que de forma tímida, no espaço público e em posições socioeconómicas de destaque, e que fazem escolhas que outrora não eram permitidas – liberdade sexual, planeamento familiar, escolha do “homem” com quem casar-se, entre outras. No entanto, vários desafios continuam a permear e a reformular o poder patriarcal, que na sua base foi (e continua a ser) social, cultural e historicamente estruturado para subalternizar mulheres e meninas em todo o mundo.

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