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Pé na Tchón, Mô Viking. Pé na Tchón, Mô irmão!

Zezé Nguellekka / Buala
foto/ilustração:

Em memória de Miguel Gullander

Tudo é dor!

Porquê tanta dor nas tuas palavras, Feiticeiro?

Porque quando falo da dor – Ela passa

GULLANDER, esta é uma resposta simples para ti, que chegavas sempre dois segundos adiantado a muitas respostas e podias ver com lucidez aterradora a dor, numa dimensão física, desde dentro do teu corpo. Desde esse ponto, saltavas para a nossa humanidade (dois segundos atrasada), para explicares o teu achado.

Capturavas as dúvidas nos nossos olhos e, como professor apaixonado, arremessavas nova explicação. – Pensem numa flor – pétala após pétala e depois em todos os pontos. Há um ponto no começo de todo movimento. Isso é a dor! Não compreendíamos.

Ias então ao death metal e as suas imagens de horror para nos provocar ondas de choque. Estabelecias a imagem de um corpo dissecado, carne viva após carne viva, para achar no fundo a dor. Ela não nos aparecia nesse ponto profundo.

E como se vive nessa dimensão de dor dilacerante... ainda por cima, em consciência demasiado lúcida...? É isso a Transcendência...?

É essa a Transcendência que busca o Feiticeiro? Esse teu alter-ego, transmutado numa entidade espiritual, solitária, desapossada de materialidades e de convicções universais, que valida exclusivamente o toque nas feridas do Cristo para ter autoridade de partilha da sua miséria e sofrimento. É essa a tua Transcendência...?

A dor é a via para o amor!

O Trauma é a dor física, que martiriza, arrebata estados de consciência. Redimensiona o corpo para uma condição de Transição. Se um corpo não experiencia a dor, não atinge a Transcendência. Um corpo em Transcendência é uma entidade colectiva, que se realiza com os outros, nos espaços universais. Anda por cima de tratados sobre fronteiras e da ordem racial do humano, e dos critérios de género, e de nações, e de partidos e da autoridade das vacas sagradas e da subalternização das massas populares. Um corpo em Transcendência anda pelos vales, sofre, padece, mostra-se nas suas fraquezas e luta como um viking! Mas no céu cinzento dos vikings não há casas de pau-a-pique. Não há balaios e galinhas de sacrifício para rituais de cura da dor. Então tens de te fazer a terras de emergência para outros sentidos de humanidade.

É isto o pé na Tchón – a via que se prolonga pelos vales, florestas, por caminhos conhecidos e outros que se fecham à passagem do primeiro homem. Caminhos feitos para que homens cansados se percam. Mas tu és o Feiticeiro que resiste às fintas dos caminhos, às feridas acumuladas nos pés, ao paludismo, ao coma que tomou o teu corpo por dias. Sabias... no fundo do vale, várias Palancas Negras Gigantes esperavam pelos teus olhos, para te dar uma visão única, poética, Através da Chuva.

Vamos subir a tua via, Gullander.

Tudo é amor! É este o momento em que tu, Feiticeiro, te converteste em entidade espiritual, na observância do teu corpo prostrado. A dor de que nos falaste com insistência era, nos teus gestos, sinónimo de amor, pois quiseste andar sempre contra semânticas estabelecidas e postulados e profetas desumanizados.

Essa dor é o amor pleno, vimo-la quando trabalhavas com as capacidades de quem te rodeava, na tua forma de vida, na doação plena às pessoas, nos códigos cifrados da tua literatura.

Para que o vivamos em pleno, para que se tivermos de bazar no dia seguinte, levemos como única garantia do que fica com os outros!

Ficou, Gullander.

Ficamos com o teu amor!

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