Eu sempre gostei de observar as coisas, os movimentos, as pessoas criadas pela minha imaginação, resultantes das sombras que cada claridade acanhadamente reproduz aos nossos olhos. Aprendi com uma senhora antiga nos dias, ela vem do passado, se percebeu mulher a partir da sombra que seu corpo reflectia na parede, ilustrada pela luz minúscula que rasgava o chaminé do candeeiro a petróleo que sempre ficava a dois passos da porta a conservar uma velha tradição. Conta que a sombra dançava ao ritmo da cor da luz, “a luz nas mãos dos homens tem várias cores, o azul e a cor do fogo são as mais decisivas”, diziam as mulheres. Na luz azul ela sentia a sombra do corpo em alerta, com os seios pontiagudos exibindo-se para fora a quase querer despedir-se do corpo, como se de uma peça teatral se tratasse. As cores manuseadas pelo tecido trocida que banha o petróleo eram as que ela queria ser. Até antes de, inesperadamente, depois de vários passos de dança com o reflexo, elaborar um outro personagem através da sua imaginação, depois de já lhe ter dado um nome masculino, apesar de carregar um par de seios, e forçadamente pelo impulso do ardente desejo adolescente de querer ver seus lábios a tocarem em um outro par de boca, beijar a parede imaginando ser uma outra pessoa aquela sombra, abaixava-se.